Com a voz do Selton Mello na cabeça
Mundo cão, mundo virtual, gritos e sussurros do jornalismo policial
Fui repórter de segurança pública, vulgo repórter de polícia. É o alicerce do chamado mundo cão [não que cachorrinhos tenham qualquer culpa nessa história]. Bem sei, estatísticas, análises e discussões estruturais não contam com o mesmo apelo de um cadáver. É o momento da bifurcação entre interesse público e interesse do público.
Do melancólico corolário das redações: o trabalho é inversamente proporcional à audiência. Jornalista replicando frases de programas de fofoca da televisão atrai é mais lido e, portanto, gera + $. Mantém a casa de pé, paga a conta dos chatos.
Essa discussão é válida, mas até aqui responde ao mundo da internet 1.0. Hoje a dinâmica se complexificou, com as empresas de tecnologia oferecendo soluções publicitárias que retiram o $ de todo mundo, até do repórter da fofoca. Nesse embalo, as redes sociais vêm a reboque correndo ética e processos consagrados até o século passado.
Uma amiga mandou um exemplo prático do perfil da rede social do jornal Tribuna do Paraná, em linha com o discutido aqui na semana passada.
O biriri-bororó de política pública que vá pro inferno, eu vi a gangue roubando celulares com meus próprios olhos, quero solu-punição.
Cobri polícia em Curitiba/PR, terra da Tribuna do Paraná. Ganhei o cargo com a missão de fazer a Gazeta do Povo parar de levar furos da então concorrente Tribuna (atualmente parte do mesmo grupo).
A região é um celeiro do gênero. De lá saiu Ratinho, cujo filho é governador do Estado, Alborghetti e tantos outros.
Inevitável, o repórter se mistura com seu meio. Se mantiver um mínimo de senso crítico, vai se tocar que noticiar com letras garrafais assassinatos escabrosos é uma contribuição direta ao tráfico de drogas. Quem morre à Mineirinho de Clarice Lispector, por regra é devedor, atravessador, descumpriu o acordo. E lá vai o jornalismo, fazer propaganda do bandido, reverberando a narrativa de violência.
Ou ainda, do outro lado, vai replicar o discurso do delegado chamando um menor de idade de chinelo de dedo de grande líder de aterradora quadrilha. Não tem como confirmar, é noticiar ou ser atropelado pela concorrência – era pago para evitar que isso acontecesse. Desse jeito policial ganha um destaque na carreira, flashes da mídia, tão sedutores, instantâneos de um passado recente que, não canso de repetir, ficou mais intrincado.
Lembrar disso automaticamente faz Selton Mello invadir minha cabeça. Se ainda fosse o Rubens de Ainda Estou Aqui… mas não, é Ruffo, Selton no tom de voz bastante específico da série O Mecanismo, com muita garganta e pouco pulmão, denunciando fazer parte de um sistema podre e corrupto, numa tentativa de dar visceralidade ao cenário de corrupção da Lava Jato. Tinha de aumentar o som da TV ou pôr legenda para entender a série.
Como se já não bastasse, vem uma série policial e amaldiçoa meu cérebro.
PS: Será que a Netflix lançou um patch para arrumar o áudio da série?
PPS: Depois de cobrir polícia, fui para o lado da economia do jornalismo, conforme ficou explícito aqui
rolar de dados ֍ enrolar de redes
Na semana passada dei a entender que a percepção humana é inexplicável, advinda de um rolar de dados. Soou como passada de pano a Lula 3, que vem perpetuando erros não forçados (para usar o termo do tênis), apesar de colecionar indicadores positivos — o mais recente é o avanço do PIB no 1º trimestre,