"Quase parei a leitura, até que me dei conta de que é isso o que a Elizabeth quer: que a pessoa se aborreça e feche o livro, para que ela possa ficar sozinha com seu jardim."
A citação é do livro Simpatia, de Rodrigo Blanco Calderón – escrevi sobre a obra no Boletim Tatuí. É uma aproximação à inevitável pergunta de fundo do texto da semana passada: o sucesso. Em uma aula online que dei nesta semana, uma aluna perguntou “qual é o mapa da mina”. Não tem para onde correr. Quem faz conteúdo à internet e /ou trabalha na cultura respo|pensa a questão.
Transparência: estou MUITO confortável em tratar do tema aqui, talvez seja até covardia, pois não tenho planos ou anseios neste Substack. Mais de 200 pessoas assinam este canal, algumas delas de minha mais alta estima. Para manter a brincadeira e não ficar desconfortável, respeitosamente ignoro vossas senhorias.
Ao mesmo tempo, ninguém escreve só para si – passou da agenda de compromissos ou da lista de supermercado o texto já busca um leitor. Aos que tiverem acesso aos meus diários, e-mail e Google Docs: peço piedade. Espero estar morto.
Duzentos leitores é suficiente? Não? Então quanto? Quem tem 20 quer 200; quem tem 2.000 se sente derrotado ao perder 20 <números meramente aleatórios e ilustrativos>.
"Os números não mentem". Hmmmmm… A matemática pode sim distorcer. Não no sentido orwelliano de 2 + 2 = 5, mas do "dobrei a quantidade de seguidores" (passou de 20 a 40) ou "vendi todos os meus livros" (cuja tiragem foi baixa). Não é uma mentira objetiva, mas está no limiar. Convém lembrar a baixa confiabilidade dos dados das big techs.
Em linhas gerais, a coisa é meio uga-buga: subiu bom / caiu ruim. "É mais" significa "melhor", na língua do mercantil.
Soma-se a isso a projeção, dentro da mesma dinâmica: "acima da projeção = bom", etc. Você pode substituir "projeção" por “expectativa”, à vontade, a alteração semântica é mínima.
Conversa parece estar indo para o economês… bora. O livro Freakonomics, de Steven Levitt e Stephen Dubner, há um tempo foi moda. Essa obra se propõe a responder perguntas curiosas usando de metodologia econômica em linguagem acessível. O trabalho na cultura é mencionado no capítulo dedicado a responder porque os traficantes ainda moram com a mãe.
Em resumo, a resposta é que o tráfico de drogas tem algumas esparsas ilhas paradisíacas de sucesso num oceano de casos mal sucedidos. Ao explicar essa dinâmica, os autores fazem comparações aos atraídos a trabalhar em Hollywood (ou algo do gênero). Por regra não dá certo, as exceções servem de isca para atrair mais gente ao rolê.
É bom ter essa perspectiva. Ajuda entender entender o efeito do youtuber que recebe dinheiro, dispõe de prestígio e recebe mimos de marcas bacanas por simplesmente falar abobrinha para uma câmera – parece fácil, dá inveja, quero esse sucesso. Colocando em palavras ajuda a entender a vontade de ficar só num jardim.
PS: o texto acima meio que segue o texto abaixo
Escorpião suicida
Planejo e desplanejo. Fundei a Lote 42 com a ideia de publicar com financiamento coletivo livros em formato padronizado, com distribuição exclusiva por e-commerce próprio, ladeado por um manifesto contrário às livrarias. Éramos jovens, é uma defesa excluir antes de ser excluído, perdoe a ~estratégia (abandonada bem antes de se…
Adoro os seus textos, João. Chegou na caixa, já quero ler. Obrigada por me ignorar solenemente e escrever aquilo que você deseja, mesmo a gente sabendo que o texto sempre busca o leitor, como você diz. Abraço enorme