Atribuir somente ao Adwords a derrocada da internet seria leviano. O Google, por outro lado…
O cemitério de serviços do Google é vasto. A causa mortis de Orkut, Buzz, Plus e Wave é sabida: pararam de gerar dinheiro ou foram superados por concorrentes melhores. Simples & compreensível.
Essa lógica, no entanto, não se aplica ao Google Reader (2005-2013), líder incontestável na época. O serviço organizava a internet, monitorava e ordenava o conteúdo cronologicamente, quase como uma caixa de entrada de e-mail. Era possível acompanhar postagens de um perfil, a editoria de um jornal e, claro, os blogs. Para 30 milhões de pessoas, quase um Twitter da época, era o jeito de fazer a rede ter algum sentido, sem FOMO.
O Google dominava a internet, era buscador + leitor, mapa + guia. Para completar, tinha o Blogger (Blogspot), plataforma de total sinergia com o Reader.
Ao abandonar e depois desativar o Reader, o Google renunciou à ascendência de um segmento. Movimento estranho, de raro precedente na história do capitalismo (você consegue lembrar de algum equivalente?).
A empresa tentou disfarçar: o fim do leitor foi anunciado como quinto tópico de um post. Alguns reclamaram, mas foi pouco. Estávamos seduzidos pelas redes sociais, um substituto perfeito. E com vantagens – curtidas, seguidores, mensagens, etc. Com isso, soluções similares ao Reader não tiveram tração. Aos poucos, os feeds RSS, que alimentavam os leitores, foram desativados dos sites.
A explicação oficial dá conta que o Google, de um jeito meio pateta, meio apavorado, não enxergava nada de bom no Reader. Sem duvidar da boa fé de quem traz e crê nisso, meu ceticismo impede de engolir essa versão.
Fato é que a deliberação foi ao encontro das principais empresas de tecnologia, cujos escritórios ficam mesma região, o Vale do Silício. Os líderes conversam entre si, pensam parecido, frequentam os mesmos eventos – vide a primeira fila da posse de Donald Trump e o recente abandono de políticas de inclusão.
Com o fim do Reader, o Google agiu como um aliado de primeira ordem das outras empresas de tecnologia (concorrentes, em tese). Lançou os usuários no mar algorítmico. A única boia de salvação para se destacar passaria a ser a publicidade. E disso o Google entende. A web deixava de ser wide, passaria a circular em jardins murados, aplicativos que demandam atenção, não querem deixar você fugir.
Foi-se o Reader; persiste o RSS. Os podcasts usam dessa tecnologia para difundir seus episódios nas plataformas. Praia dos Ossos, Caso Evandro, A Mulher da Casa Abandonada são algumas de várias produções que mobilizaram a cultura nos últimos tempos. Eis a importância de uma tecnologia que empodera o usuário com o mais básico: escolha, previsibilidade, confiança.
Vale exaltar os guardiões deste meio, antes do Spotify, antes da moda. Nerdcast, Rapaduracast, 99Vidas e Jogabilidade são alguns exemplos brasileiros que contabilizam dois dígitos de idade. Ignorados pelas estruturas de capital simbólico, esse pessoal não arredou pé. Sem eles, o podcast seria mais uma tecnologia enterrada.
PS: leia a postagem da semana passada:
A queda da internet: como tudo começou
Quando a internet começou a desandar? Como um ambiente entendido como fonte de conhecimento infinito virou um celeiro de raiva, inveja e vaidade? Há algum pecado capital não contemplado? A primeira ruptura ocorreu com o Google, mais especificamente com o AdWords.
João, sensacional esse tema. É estranho lembrar que até essa época, e até 2013, quando o serviço de leitura de RSS Google Reader foi extinto, acabou blog, acabou texto, investiram tudo em algoritmo e chegamos nesse precipício n4z1f4ch0, triste demais.
orfã do reader...