Soou como indireta? Palavra de honra: não fazia ideia que a Amazon proibiu a transferência de eBook via USB no Kindle ao escrever o texto da semana passada. Até porque teria usado de exemplo de asterisco que há na aquisição* de bens digitais. É seu, mas VEJA BEM.
Longe de mim tripudiar do amigo que está a sofrer com a appleficação do principal e-reader. É o risco do asterisco, sempre foi. Torço que esteja claro há tempo suficiente, desde o início.
Podia ser pior, pois pior já foi feito. A Amazon removeu um livro da biblioteca digital de seus usuários – ironia das ironias, o título em questão era 1984, a distopia totalitarista de George Orwell. Para deixar tudo mais indigesto, não houve alarme, a remoção aconteceu na surdina, contando que ninguém daria falta. O fechamento do download por USB também não teve justificativa oficial. É assim.
Houve também o caso dos títulos de Roald Dahl modificados para versões politicamente corretas. Arrombaram sua casa, foram até sua estante, abriram as obras, passaram corretivo líquido no livro, reescreveram e foram embora. Fora inúmeros casos em que as capas são modificadas, porque saiu uma adaptação em filme ou série. Aí eles entram, rasgam a capa etc.
A Amazon é a verdadeira dona da biblioteca digital que você pagou. Uma concorrente mostrou a consequência extrema disso. Em 2019, a Microsoft fechou sua loja de eBooks e, com isso, apagou o acervo dos usuários. Curioso que esse caso é pouco mencionado – certo que a Microsoft não tem a relevância de Amazon, Google e Apple na seara dos livros digitais, ainda assim não dá para confundir a trilionária dona do Windows com uma discreta livraria de bairro.
Ruim. PORÉM, amigo leitor digital, não, não olhe para baixo. Videogame CONSEGUE SER PIOR. Há casos de jogos que vendem seus bens digitais e deixam de funcionar. Isso se dá principalmente com jogos online, que precisam de servidores funcionando (ou seja, gerando custos). Multiversus, um jogo de luta com heróis da Warner, vai deixar de ser jogável. Quem comprou roupas ou personagens se lascou.
Quando as pessoas desconfiarão que a aquisição de bens digitais é, no mínimo, estranha? Agora fica compreensível a paz de adquirir um livro impresso? E olha, há vantagens tipicamente capitalista-dinheirista nisso, pois não raro o valor do produto aumenta. Exemplo: Estamos editando Poemóbiles, de Augusto de Campos e Julio Plaza, na Lote 42 em parceria com a Selo Demônio Negro. Esse livro não tem adaptação possível ao meio digital, pois é performático, escultural.
A edição anterior, de 2010, era vendida por R$ 90. Hoje esse mesmo livro vale mais de R$ 2.000 nos sebos. Ouro, dólar, Euro, Ibovespa… nada rendeu tanto. Os eBooks não podem ser revendidos — afinal, *.
Carnaval, encerro por aqui, tchau.
PS: Eis o texto da semana passada, escrito na completa ignorância sobre essa nova restrição
Recusa / resistência dos livros
Livro não brota na conversa do dia a dia. Ao contrário de cinema, música e videogame, a pergunta "o que você está lendo?" soa pouco natural, mesmo para os que estamos com as quatro patas atoladas nessa lida. Embora estejamos sempre a ler, raramente dividimos as impressões, queixosas ou elogiosas.
Eu não fazia IDÉIA desses casos. Adorei o texto!