Livro não brota na conversa do dia a dia. Ao contrário de cinema, música e videogame, a pergunta "o que você está lendo?" soa pouco natural, mesmo para os que estamos com as quatro patas atoladas nessa lida. Embora estejamos sempre a ler, raramente dividimos as impressões, queixosas ou elogiosas.
Isso se deve, principalmente, em razão da proliferação de publicações. São editados mais de 10 mil títulos inéditos por ano no Brasil. Assim, fica difícil de um único artefato receber múltiplas leituras e estimular conversas. Ainda estou aqui (filme) dá pano para manga, Ainda estou aqui (livro) nem tanto.
"Ainda estou aqui" é uma oração que os livros poderiam dizer de si, pois são dotados de prazo de validade dilatado. Resultado: publicações que circulam há décadas contribuem na pulverização das leituras, atravancando os diálogos. Existem outras razões, mas não quero me estender nesse ponto, ao menos não agora.
Uma abordagem mais comum para falar de livros é a perspectiva de mercado, onde termos como crise, governo, perda de público, calote, desconto excessivo, lei, monopólio viram mato, e que mata.
Matar? Sim, o livro impresso morrerá. Normal, tudo morrerá, você & eu, inclusive. O livro é peça fundamental da cultura há, pelo menos, alguns séculos.
Da segunda metade dos anos 2000 até a primeira metade dos anos 2010 o veredito era cabal. Formou-se um consenso de inevitabilidade, morre no próximo sábado, às 04h18 (hora de Brasília). O livro seria substituído pelo ebook.
As previsões tinham razão de ser. Houve um esforço das empresas de tecnologia, as mesmas que estão alinhadas no atropelo de leis e costumes, como observamos nas últimas semanas. Elas contaram com a conivência das grandes editoras. O histórico da música, estraçalhada pela revolução digital, estava lá, o cadáver dos vinis e CDs enforcado na muralha, um paralelismo inevitável e apocalíptico – para usar termos brandos.
Praticidade + preço baixo foram martelados em prol do ebook. Tecnológicas e editoras foram dois caras numa moto querendo apagar o impresso.
Só faltou combinar com os leitores. Mesmo nos Estados Unidos, sede desses conglomerados, a substituição nunca ocorreu. No auge, obteve 25% do mercado. Em outros países desenvolvidos, fica na casa dos 5%. Os ebooks não mudaram a forma, se acomodaram como um subproduto – mais parecido com uma edição de bolso do que com uma ruptura. O audiolivro segue o mesmo rumo de derivar de uma obra concebida para circular em papel.
Isso merece ser comemorado e reconhecido. Mesmo a poderosa indústria cinematográfica, a de Ainda estou aqui (filme), teve de se submeter à digitalização e seus digitalizadores.
Os leitores provavelmente nem se dão conta dessa recusa. Inconscientemente, talvez, priorizaram o espaço sem distrações, ou a posse sem o estranho asterisco dos bens digitais, onde você compra, mas veja bem, sua posse é limitada. Outras possibilidades são a fruição livre de publicidade (algumas editoras dão uma abusada, eu sei), a ampla privacidade, o projeto gráfico próprio ou o prazo de validade dilatado (em geral característica positiva… soou diferente no terceiro parágrafo?). A verdade deve residir em uma formulação somatória desses elementos, todos importantes neste caos depois de Cristo, uma resistência a pautar boa prosa (& verso).
PS: O texto da semana passada falava um pouco do nosso Chaos A.D.
A queda da internet: utopia e repressão
Saiu o e-mail com o texto da semana passada: não tem volta. De imediato, senti o arrepio do devia ter dito. Segura a minha mão, talvez seja o mais importante dessa conversa.