Já não se fala tanto dos relógios de qualidade do ar de São Paulo. Quero crer que a combustão dos carros melhorou (eletrificou?), as indústrias foram a outro canto e/ou melhoraram as emissões, etc. Quero crer – de qualquer forma, seguirei a respirar nessa cidade, então de nada adianta você me dizer que não é bem assim.
A poluição notória agora é outra. Não ataca o sistema respiratório, mas sim o tímpano. É escapamento de moto & betoneira de construção & caminhão do lixo & paredões de prédios que reverberam o som. Precisa lavar a calçada? Mete máquina WAP de alta pressão para R-R-R-R-R-R-R-R-R-R-R-R-R-R.
Uma cidade inimiga do ouvido, do sono, da paz. Reparou como todo paulistano é meio louco? São Paulo é Estados Unidos do Brasil, se não tem limite, se não tem ninguém olhando, abusa, usa até o talo, ocupa a calçada pública com cercadinho privado. Somos todos Banco Master.
Fone de ouvido é legítima defesa. Azar da recomendação de não ouvir no volume máximo, quero um mínimo de controle no que escuto. Alguns usam os modelos tipo intra-auricular, minúsculos, imperceptível.
Isso exige uma acomodação social.
Proponho um novo signo social que peça a outrem a reativação da audição plena, ou seja, a retirada do fone de ouvido do ouvido – um cutucão amigável, um giro com o dedo indicador, um jutsu de Naruto.
A etiqueta para, elegantemente, dar tempo de a pessoa pausar e começar a dialogar com alguma profundidade. Sem esse sinal, o interlocutor ganha passe livre para uma saudação silenciosa rápida ou um "olá" sem modulação ou de volume inadequado, típico de quem não está ouvindo nem a si.
A esta altura, o leitor já sacou que sim, CONTINUO A RODEAR O AUDIOLIVRO, que demanda ATENÇÃO [à tensão], e sim, tenho neuras. Várias. Uma das mais básicas: odeio perder marcador de páginas, o save do game ou o ponto em que estou no podcast – a sincronia do Spotify em vários dispositivos me fez abandonar aplicativos gratuitos.
No caso do audiolivro, para pausar na urgência necessária de um encontro inesperado sem que isso dispare raios de constrangimentos múltiplos capaz de atingir até um desavisado transeunte que esteja por perto, trato de puxar rapidamente o cabo do fone – é o botão de pausa mais eficiente do celular. Um trincado na tela de meu celular se deve à manobra, que fez com que o aparelho voasse do bolso da calça direto ao chão.
Urge, portanto, o gesto social de "pause, por favor / quero ir além do 'oi' automatizado / prepare-se em seu tempo". Deu haicai? Essa fase já passou.
Fiz minha parte. Agora uso um fone de ouvido supra-auricular, dos que cobrem a orelha (tentei os do tipo air bud, mas caiu numa caneca cheia de água quando estava a lavar a louça) &, importante, sem fio. Para mim um grande passo, pois administrar bateria de mais um aparelho, pelamor socorro. Fui com um modelo que, caso a bateria acabe, ele tem a opção de usar o bom e velho cabo (nunca precisei).
Agora, o botão de pausa agora mais acessível, sem puxões, ainda assim com um atraso, ainda assim carente do novo sinal social.
Claro que pedir silêncio a São Paulo é o equivalente a pedir para uma cabra voar — utopia demais pra minha passagem neste plano.
PS: A Justiça dos EUA condenou o Google por monopólio em publicidade digital — olha só, quem poderia prever.
PPS: Continuação disfarçada dos lance dos audiolivros, sei… leia o POSTE passado
Defesa imperfeita do audiolivro
Li livros neste meu tempo na Terra. Não consigo lembrar de um impresso pior que o feed do Instagram, X, TikTok e derivados. Sério, sem sacanagem e sim, li e considero livros de sacanagem – 50 Tons de Cinza, etc.