< Humano apesar de tudo />
Autocrítica, escrita e a busca por um estilo na era da inteligência artificial
Sou sucesso de autocrítica, portanto, sim, há autocrítica.
Ando a escrever com abuso de frases gramaticalmente incorretas, conectivos escassos, maiúsculas aleatórias e caracteres estranhos ao leito da escrita. Leitura esburacada, especialmente a quem ler em voz alta. Inseri até umas matemáticas selvagens, urgh.
Faço isso de um jeito distinto ao disfarce de palavras proibidonas do pessoal das redes sociais, que assim nutre a esperança de não ser punido pela fúria aleatória do algoritmo. Daí surgem h0m1c1dio, ass4ss1nt*, est4p#0 ao expressar homicídio, assassinato e estupro – pronto, os robôs já estão a ler e avaliar se sou digno deste Substack.
Voltando ao meu umbigo sujo, releio o que escrevi e percebi duas razões para esse estilo (minha autocrítica pode ser condescendente, note), uma séria e outra banal.
Motivação séria: O fato de a inteligência artificial escrever de um jeito limpinho me faz querer gritar "hey, humano aqui". A paranoia vem no combo, será que isto foi escrito por uma pessoa? Como acompanho a cobertura de videogame, estou com a sensação de um uso abusivo de IA, mas não tenho como provar.
A mera perspectiva é de cair os butiá do bolso. Dá sentido à proposta da World, a empresa que está a tirar fotos de íris por $ com a proposta de fazer uma identidade mundial humana nas redes. Tenho observado publicidade na imprensa e quiosque em shopping dessa firma que tem cara de falcatrua forte.
E talvez não seja má ideia fazer uma identidade fixa para cada usuário da internet? Dói cogitar, dói admitir. Durante anos acreditei no axioma cypherpunk de "privacidade para os fracos, transparência para os poderosos"1.
Um ideal bonito, justo, porém impraticável, vide redes sociais ou caixa de comentários do seu portal de notícias favorito. O fraco é capaz de cometer fortes atrocidades sob anonimato.
Desejo uma solução, pode ser meramente teórica, quero (voltar a) acreditar. Quem tiver argumentos, cá estou, disposto a aprender para defendê-los.
Agora vamos à motivação boba (não muito): Sou influenciável. Ouço um sotaque e sem querer passo a imitar. Pode parecer troça, não é. Falo “você”, mas meio gaúcho basta para passar ao “tu”. Todo humano é um pouco de Zelig, eu me deixo, nem penso.
Sou influenciado também por aquilo que leio – ninguém cria opiniões e pontos de vista espontaneamente. Diante de uma missão, me aprofundo. Ando a preparar aulas de História do Livro – pela primeira vez teremos um módulo inteiro dedicado ao assunto no Curso Tatuí de Publicação, bora bora bora.
Pois nessa senda, estou consumindo o livro Shady Characters ("caracteres obscuros", numa tradução que atira pela janela o jogo de palavras), de Keith Houston, sobre a origem de sinais gráficos, como ¶, †, #, @ e até o ⸮. Lá está o *, símbolo dos termos e condições colocados de maneira discreta. O uso e desuso desses glifos evidenciam a vivacidade da escrita, reativa a necessidades, disposta a se adaptar, a ser influenciada.
A próxima grande mudança em curso são os emojis. Já estão por aí a fazer parte da nossa escrita, falta só entrar em atas e documentos cartoriais. "José Silva firma abaixo como testemunha do casamento de Maria Oliveira e Fernando Pereira😞".
O ChatGPT, porém, é versado na escrita com emojis. "autocrítica_status\":null
PS: Leia um texto que chega a meter uns < >
Sucesso: quanto é suficiente?
"Quase parei a leitura, até que me dei conta de que é isso o que a Elizabeth quer: que a pessoa se aborreça e feche o livro, para que ela possa ficar sozinha com seu jardim."
Vale a leitura do livro Cypherpunks: Liberdade e o Futuro da Internet
sou defensora ferrenha de que o sistema de emoticons seja plenamente aceito na linguagem culta. a complexidade de emoções deste século só pode ser compreendida com seu uso. assim como escrever errado de vez em quando se torne absolutamente necessário para o total entendimento da mensagem #otemporaomores